domingo, 18 de julho de 2010

Judith - parte 1.


"O mormaço da noite interiorana aliada aos mosquitos traiçoeiros e ao cheiro forte de cravos fincados em limões, justamente na tentativa de manter os insetos afastados, impedia um sono constante. Os lençóis estavam revirados, o pijama grudado no corpo, o som inquieto dos grilos coçava os ouvidos. Talvez um pouco de água refrescasse a situação e me fizesse dormir. Atravessei o interminável corredor que levava a cozinha, a qual tinha a luz fraca e amarelada acessa. Estranhei, passavam das duas da manhã. Provavelmente meu pai esqueceu-se de apagá-la ao deitar-se, pensei. Mas no instante em que apoiei as mãos no batente da porta para adentrar no cômodo, um estilhaçar de garrafas de vidro ecoou pela casa. Seguiu-se de vozes pesadas que gritavam, vozes graves e cujas vibrações, se palpáveis, poderiam ser como fios de aço. Encolhi os braços e prendi a respiração. Mantive-me rente a porta, o suficiente para assistir a cena.
-Espere, tem de haver algo que eu possa fazer... – murmurou nervoso um homem.
Era meu pai, envolvido num desespero incomum.
-Quero meu dinheiro, é difícil entender isso? – retrucou o outro, fazendo voar uma cadeira que veio destruir-se bem a minha frente.
-Não tenho como pagar agora, podemos fazer um acordo... Eu...
-Acho que o senhor, -o homem ironizou o tratamento- já tem muitos acordos pendentes comigo! – e tragou o restante da bebida que havia em seu copo como se quisesse acalmar os nervos. – Há anos você aposta o dinheiro que não tem, não posso mais com isso. A situação está perigosa, as ameaças são cada dia piores. A casa de jogos é minha, e não vou perdê-la por tua causa!
O homem terminou a frase em pé, com o dedo apontado a poucos milímetros dos olhos de meu pai. Apoiou as duas mãos na beirada da mesa e deixou cair a cabeça para frente, bufando e balbuciando palavras para si mesmo.
-Não achei que fosse tão grave... Tudo o que tenho é esta chácara, é meu único trabalho, garanto que posso pagar a dívida aos poucos... – suas mãos tremiam, mal conseguiam erguer o copo e leva-lo a boca. Com grande esforço, engoliu uma dose inteira, pôs-se vermelho e emudeceu.
O homem ergueu-se de súbito. Mal se mantinha ereto e sua roupa estava tão suja que arriscaria dizer que não a lavara nunca. Era moreno, com grandes sulcos na pele do rosto e a barba encharcada de bebida. Seu olhar era carregado de ódio e os dentes escurecidos formaram um sorriso assustador ao gritar:
-Vou ter que explicar de novo? – ele tirou um revólver de dentro da calça – Não estou para brincadeiras! – e acomodou-o na testa de meu pai.
Eu estremeci. Era claro que meu pai havia cometido erros, mas em toda minha vida, não houve um dia sequer sem comida para as refeições; nenhum inverno sem cobertores; e nenhum verão sem que ele ajustasse o balanço da árvore conforme eu crescia. Meu pai bebia. Meu pai apostava o dinheiro que não tinha. E quem sabe mais o que fazia pelas ruas? Mas sempre fora um bom pai para mim. Estar prestes a assistir a sua morte, foi como rasgar-me o peito sem que eu pudesse desfalecer.[...]
"
Para MARA.

Um comentário:

Larii disse...

Noossa, muito bom =')

E eu quero ler o livro inteiro agora, hahahaha ;)